DESENCANTO
Por tudo o que fiz
e não disse,
choro estas noites
de corpo sólido.
Por tudo o que contei
e não ouviste,
eu faço estes versos
de impura beleza.
Pelas noites que sonhei
e não soubeste,
eu visto meus fantoches
de raro prazer.
Por todos os caminhos
em que andei e não viste
percorrem minhas mãos descobertas.
BORBOLETA
Andava a caminho de casa
na estrada dos portos,
no caminho dos barcos,
quando vi tua colorida asa.
Teu corpo dançava e parava,
e ias... e vinhas...
e eu acompanhava
cada coreografia que ensaiavas.
Me perdi nos teus reflexos
e me embalaste em sonhos
já tão esquecidos em remotos instantes.
De quanta beleza me impregnaste os olhos!
Tuas cores se espalhavam em tiras
e formavam arco-íris no ar.
Teu corpo todo era brilho e festa
e meus olhos... apenas espelhos límpidos.
JARDIM INCOMPLETO
O arlequim se perde
no palco dos cravos inquietos
e das rosas arredias.
Faz parte do jardim incompleto.
Os jasmins se embalam
em galhos de barbante,
no seu existir quase ausente.
INSENSATEZ
Cansa o corpo
se os olhos não choram,
cansa o rosto
se os lábios não riem.
Cansa a vida
se a morte é certa
e a tristeza de ti
se cansa em mim.
Cansa o medo
se tu insistes
e morre o tédio
se tu desistes.
Canta o vento
se tu partires,
canta o sonho
que tu não vistes.
Canta a rosa
o seu riso triste
e chora o pranto
que tu sentiste.